Peter Buckley
(à esquerda)O pior pugilista do mundo vai pendurar as luvas. Não é um título que exista formalmente mas na próxima sexta-feira, Peter Buckley vai deixar de levar pancada. Fará o seu 300º e último combate. Será a sua 257ª derrota?
Aos 39 anos, Buckley tem uma longa carreira de derrotas. Não foi sempre assim, em tempos era um promissor peso-pluma e chegou a ganhar um título regional em Inglaterra. Mas depois descobriu uma carreira mais lucrativa, como uma espécie de saco de pancada humano de pugilistas mais cotados. Defrontou 42 futuros campeões do Mundo, da Europa ou do Reino Unido. Com o tempo perdeu 256 vezes, mais um recorde recente de 88 derrotas consecutivas. Já houve quem tentasse pará-lo. Seguindo uma corrente defendida nos Estados Unidos, a qual defende que um pugilista que perca dez combates seguidos deve perder a sua licença, o Comité Britânico de Controlo do Boxe fez-lhe recorrentemente exames médicos, mas Buckley passou sempre. E se um pugilista está medicamente apto, não se pode impedi-lo de competir. Nem que ele apareça com um olho negro mesmo antes do combate seguinte, como já aconteceu a Buckley.
O pugilista explica que parte da questão é a sua incapacidade em dizer que não. Basta convidarem-no, mesmo que seja para um combate no próprio dia, e ele vai. "Estou sempre no ginásio, e se me chamarem com duas horas de antecedência, digo que sim", conta.
Também nega que a sua opção de vida tenha tido a ver com dinheiro. Foi mais uma questão de sobrevivência, diz: "O boxe deu-me boas férias, uma casa, um carro. A minha mulher e a minha filha vivem bem. Mas não lutei por dinheiro. O boxe evitou que fosse para a prisão. O meu irmão Johnny, que morreu, entrava e saía constantemente da prisão. Dois sobrinhos meus cumprem pena. Muitos dos meus amigos de infância também estão presos. O boxe serviu-me para respeitar os outros e a mim mesmo."
Enfim, seja como for, toda a história é incrível e tenho uma opinião divergente neste assunto. Por um lado é extraordinária a longevidade que Buckley conseguiu ao fazer 300 combates de profissionais, o que não é para qualquer um. Acredito que ele nunca tenha deixado de treinar, pois teria sempre agrado em fazer boxe em que, como em qualquer outro desporto, esse agrado, está na superação. Mas não no sentido de superar um adversário, o prazer está na superação pessoal. O alcançar de objectivos. Se ao longo de tantos combates ele se conseguiu superar em coisas como seguir competindo para se manter ocupado a fazer uma coisa que gosta, então nisso ele é um vencedor e será seguramente um tipo a quem a modalidade se orgulha de ter tido como praticante. Mas nesta forma de ver as coisas, é um vencedor sem o doce sabor da vitória.
O outro lado da moeda e aquele que tenho estorvo em entender, é que num desporto que exige tanto espírito de sacrifício como este, só se compete e sobe a um ringue quando existe a dita "paixão". Todas as restrições e a dureza da preparação que se faz para combater, têm de ter como bela recompensa o maravilhoso sabor da vitória. A regra é clarividente, se não se treinar com afinco, se um pugilista não se preparar, é ele quem leva. Não é mais ninguém, nem o clube, nem o país. É ele! Por isso se treina para a vitória, e a sensação que se tem ao controlar um adversário em clima competitivo de ringue, é algo de sublime. Olhando o palmarés desportivo de Peter Buckley, pude ver que nos primeiros 30 combates da sua carreira, apenas perdeu 4. Daí em diante somou derrota atrás de derrota e nesse aspecto não sei onde ele desencantou a vontade de competir e de servir de saco para que outros ascendessem a títulos. Acho que quando se deixa de ganhar, deixa de haver recompensa por toda a dedicação que se dá, e a "paixão" naturalmente se dissolve com o tempo, ou com a consciência de cada um. Mas afinal, até onde vai a paixão? A do Buckley foi até aos 300, mas se calhar, com isso levou-lhe uma dignidade pessoal que certamente ele a tem, mas que aos meus olhos, que não estão negros, não vejo.