terça-feira, dezembro 04, 2007

O Chávez e a Tina

Sem querer tornar este blog num sítio onde apenas se discute política venezuelana, acho que devo escrever este post para clarificar a minha posição sobre o assunto, em vez de me perder em inúmeros (e chatos) comentários.

Na minha opinião, o problema de algumas potências mundiais (UE, US) com o Chávez é muito simplesmente que o ele anda a tentar fazer é destruir o mito da Tina, que nos andam a tentar (e se calhar a conseguir) vender. O mito da Tina (sigla para "there is no alternative") consiste basicamente em afirmar que não há nenhuma alternativa viável ao modelo económico baseado no livre funcionamento do mercado, da concorrência, da distribuição dos proveitos financeiros das empresas pelos accionistas, e outras coisas do género. Até meados dos anos 80, este mito ia contra a generalidade das políticas europeias, mais viradas para o bem estar dos cidadão e para políticas sociais (coisas como serviços nacionais de saúde, educação, energia, agricultura, segurança social, e outras barbáries). Em duas palavras, acreditava-se na forte intervenção do estado em algumas áreas fundamentais. Depois veio a Sr.a Thatcher tentar convencer-nos que assim não íamos a lado nenhum, e que era preciso concorrência, em todas as áreas, seguindo o bom exemplo dos nossos amigos norte-americanos. Como se devem lembrar, o Reino Unido, teve uma das mais gloriosas épocas da sua história na altura... Desemprego, diminuição da protecção social, etc., mas era tudo para nosso bem. O grande impulso da Tina ocorreu na altura do fim da URSS e da queda do muro de Berlim. Não sei se se alembram, mas nessa altura falou-se muito do fim da história. E o que se pretendia com isto era afirmar que, com aqueles acontecimentos, se tinha demonstrado o falhanço de modelos económicos alternativos, como o modelo comunista, e que não valia a pena continuarmos a procurar outros modelos. Íamos mesmo ter que gramar com o capitalismo, que seria a única garantia da democracia. E também se tem verificado, desde essa altura, um aumento da selvajaria do capitalismo, com cada vez menor intervenção do estado e cada vez mais livre funcionamento do mercado. E tudo isto justificado pelo falhanço do modelo comunista. Não precisamos de ir muito longe para verificar isso. Pensem só no que tem acontecido em Portugal nos últimos anos... Há muitas razões pelas quais eu discordo do argumento do fim da história e da Tina, mas penso que vou deixar isso para outra oportunidade (mas não posso deixar de ficar revoltado quando os lucro que a Galp distribui pelo sr.s accionistas crescem de forma exorbitante ao mesmo tempo que cada vez mais portugueses têm dificuldade em encher o depósito).

Apesar do que foi exposto acima, houve sempre alguns sítios onde se tentaram outros modelos económicos, geralmente de raíz socialista. Sítios como Cuba, Nicarágua... As consequências para estas tentativas têm sido, até agora, desastrosas. Não tanto pelo modelos económicos em si, mas por factores externos, como bloqueios económicos, golpes de estado patrocinados. Estes falhanços também se deverão, em grande parte, à pequena dimensão dos países. Mas, de repente apareceu o Chávez a tentar um sistema socialista. O problema agora é que estamos a falar da Venezuela, e, como sabemos, a Venezuela é um dos maiores produtores mundiais de petróleo e está sentada em cima de grandes reservas ainda não exploradas. Por isso, já não é tão fácil lidar com ele como foi com os Sandinistas ou com Cuba. O bloqueio económico está fora de questão, porque precisam do petróleo. O golpe de estado ainda tentaram, mas deu bronca. Ora então, toca de começar a vender ao mundo que o gajo é um doido perigoso, que pode pôr em risco a segurança mundo. Ora o que, na minha opinião ele está a tentar fazer, é demonstrar que podemos funcionar de uma maneira diferente daquela que estamos habituados. E estou a falar de cooperação. Será que a única forma de os países se relacionarem entre eles é a competição económica? O Chávez acha que não, e eu concordo com ele. Se eu tenho petróleo e há outros que precisam dele, será que não podemos cooperar???? Será que faz sentido um país estrangeiro subsidiar combustível para aquecimento dos mais pobres? Será que faz sentido vender o combustível mais barato a uma cidade para o preço dos passes sociais dos transportes públicos seja mais barato? Isto são, claro está, meras jogadas de marketing, mas bem representativas daquilo que ele está a tentar fazer, em maior escala, na América Latina... E isto, claro está, assusta muita gente.

Relativamente à Tina, e armando-me em martelo de esquerda, recomendo vivamente a leitura do livro "Que milénio: o deles ou o nosso" de Daniel Singer, editado pelo Campo da Comunicação. Acho que o livro é difícil de encontrar nas livrarias (é de 2003), mas está disponível na Biblioteca Municipal de Coimbra.

p.s. como este post tomou dimensões assustadoras, eu não tive paciência para o reler (como vocês não vão ter paciência para o ler :). Por isso, é natural que haja algumas grolhas.

4 comentários:

Catarse disse...

Não me parece ser uma leitura assim tão linear essa do Chávez como paladino seja do que for, ainda mais como o Libertador do jugo opressivo de um "capitalismo selvagem". Os modelos que falharam não conseguiram dar resposta cabal à concorrência de outros modelos, que, longe de serem perfeitos, começam a dar razão ao facto de mesmo o melhor dos modelos, desenhado e estruturado na maior das boas vontades, depende, em última análise, dos intérpretes certos nos lugares certos. No caso Português, como noutros pelo mundo fora, assistimos à demonstração deste facto. A democracia, com ou sem o dito capitalismo selvagem, vive da intervenção de cidadãos interessados em fazê-la funcionar devidamente. Se há desinteresse é porque as pessoas ou não estão verdeiramente empenhadas em mudar aquilo que lhes acontece ou porque o modelo falhou e permitiu a tomada de poder por parte de poucos sem o consentimento mas com a conivência passiva de muitos. Seja como for, há a real possibilidade do actual modelo se ter esgotado e cabe a todos a procura e correcta implementação do próximo - que, adianto na minha opinião, está bem longe de ser o socialismo ditatorial que o Chávez quis impôr na Venezuela para poder alicercar a sua sede de poder e riqueza no pote de petróleo em que está comodamente sentado. Acho que a próxima verdadeira revolução começará com a descoberta de uma fonte de energia barata, renovável ou quase inesgotável, fiável, limpa e segura para purgar o mundo da influência geoestratégica dominante das fontes de petróleo. Com um pouco de sorte, a chave para ela (nuclear, fissão, fusão, solar, outra) não estará já nas mãos dessas mesmas eminências pardas e permitirá uma saudável rotação no poder, uma vez que me parece utópico ou mesmo muito distante acreditar numa sociedade sem classes (não somos nem nunca seremos todos iguais).

Para um post longo, um comment longo, igualmente não revisto! Abraçada

Brise disse...

olá, cá estou eu, o Brise contínuo!

A minha primeira vontade ao ler o teu mail foi dizer simplesmente que lá vinha a reacção... mas depois achei que era melhor não e, em vez disso, vou divagar mais um bocado (a maf já dorme, ainda não há ninguém aos berros cá em casa, e por isso tenho tempo :)

Começo por concordar contigo quando dizes que não é linear que o Chávez seja paladino do que quer que seja. Aquilo que eu pretendi expor foi a minha opinião sobre ele e, de alguma forma contrariar alguma leituras opostas à minha que, também deves concordar, são, na generalidade, bastante simplistas e redutoras. Não considero o Chávez um iluminado, ou o salvador do mundo. Acho-lhe piada, concordo com algumas coisas, mas não posso deixar de ser crítico relativamente a outras.Fazem-me sobretudo comichão alguns tiques ditatoriais. Espero que não haja dúvida que eu prezo a liberdade, minha e dos outros. Aceito por isso como perfeitamente válidas outras opiniões, ainda que não concordantes com a minha (excepto, claro, se estivemos a falar de futebol. nisso não há alternativa, só o slb).

Relativamente ao falhanço dos modelos alternativos que refiro e que tu dizes que não conseguiram dar uma resposta cabal, também concordo contigo. De facto não conseguiram. Mas esse falhanço ter-se-à devido, maior parte das vezes, mais devido a factores extrínsecos do que intrínsecos. Se bem que na URSS me queira parecer que os intrínsecos dominaram. Já não vamos concordar é quando eu afirmar que o que falhou na URSS não foi o socialismo nem o comunismo, mas sim outra coisa qualquer que eles lá inventaram... Tu aliás chamas-lhe socialismo ditatorial, o que para mim é coisa que nunca poderá existir. Qualquer tipo de ditadura vai contra aquilo que para mim são as premissas básicas do socialismo.

Quanto à intervenção dos cidadãos concordo, mais uma vez contigo. Mas será que os cidadãos, em geral, têm a percepção que podem fazer alguma coisa e que existirão alternativas? Nós (os leitores deste blog) talvez tenhamos. Mas nós, quer queiram quer não, fazemos partes das elites de Portugal. Temos formação e acesso a diversas fontes de informação. Mas o zé da esquina, que fez a quarta classe e foi trabalhar, lê a bola e vê as notícias às oito, terá essa percepção?

A cada vez menor intervenção dos cidadãos também se deverá a cada vez mais as sociedades serem dirigidas não no interesse dos cidadãos, mas das potências económicas. E o Chávez está, na minha opinião, a fazer algo que contraria isto. Ou seja, a ir contra os poderes económicos e sociais estabelecidos. Não me parece que o faça para enriquecimento próprio, como insinuas, mas com objectivos sociais, como a universalização da educação (que no caso da venezuela, está a começar pela alfabetização), da saúde, e outras coisas do género. Claro que ao fazer isto está a chatear muita gente... sobretudo as classes médias e altas que sentem o seu "status quo" ameaçado. E por isso é que há aquelas manifestações todas. Aliás têm todo o direito de se manifestar (e de apanhar porrada :). Isto também está de alguma forma relacionado com a tua última frase, "não somos nem seremos nunca todos iguais". Claro, e felizmente, que não! Mas será que não merecemos todos as mesmas oportunidades? Eu acho que sim. Também acho que os benefícios que retiramos dessas oportunidades não devem ser totalmente, e forma igual, distribuídos por todos. É por isso que costumo dizer, aos poucos que ainda têm paciência para me ouvir, que eu defendo a igualdade, não igualitarismo. Já agora, deixo uma piquena provocação. Será que em Portugal, temos todos as mesmas oportunidades???????

Também acho que a descoberta de uma fonte de energia barata vai ser uma grande revolução. Acho é que enquanto não nos esmifrarem tudo o que podem com o petróleo, ela não vai ser descoberta.

Para terminar numa nota mais light, devo dizer que todas estas discussões são fúteis em vista da vitória de hoje do slb :)

Agradeço também que não me respondam. Apesar de ser a favor da vossa liberdade de expressão, sou muito mais a favor da minha :) Por isso, se responderem, já sabem que vão ter que tornar a gramar comigo. Eu não me calo, nem que venha o juanito.

Estes gajos de esquerda são uns chatos do #*@%&*£#

Toni disse...

Confesso que relativamente ao Chávez tenho uma opinião em que me divido um pouco.
Admiro medidas que tomou nas questões sociais, e criou missões sociais financiadas pelo dinheiro gerado pelo ouro negro, dedicadas às questões básicas como a alfabetização e a higiene. É adorado pelos estratos sociais mais baixos, e um pesadelo para quem domina o petróleo. Uma das medidas positivas que tomou, quanto a mim, foi o reconhecimento de direitos aos povos indígenas, de que ele remotamente é originário, e uma postura "corajosa", ao reforçar laços diplomáticos com os países inimigos do capitalimsmo, como por exemplo o Irão.
No que eu não lhe acho tanta piada, e já estou como o Brise, é que ele apresenta uns "tiques" ditatoriais apesar de o negar. Quanto à partcipação dos cidadãos, acho que os Venezuelanos deram uma boa lição de cidadania e, apesar de tudo, não encaro o resultado como uma derrota para ele.

A igualdade de "oportunidades" penso que actualmente ela existe, mas não de uma forma plena. Uma geração atrás havia uma notória assimetria social (e geográfica tb), e penso que ainda hoje isso se faz sentir no nosso "eduquês"...

SLB!

Catarse disse...

Bonito, bonito é ver o SLB sempre presente, nem que estejamos para aqui a mandar umas patacoadas sobre política internacional...

SLB!!!!